“Não permitiu a ninguém que os oprimisse, e por amor deles repreendeu a reis, dizendo: não toqueis os meus ungidos, e não maltrateis os meus profetas.” (Salmos 105, 14-15)

Baseado neste versículo, e em uma outra referência semelhante em I Samuel 24, 6, algumas igrejas tem criado uma classe especial de pessoas que não podem ser tocadas. Isso significa dizer que não importa o que estas pessoas falam ou ensinam, se isso tem ou não tem base bíblica, não podemos questioná-las, criticá-las ou falar qualquer coisa sobre a doutrina delas, uma vez que Deus vai “pesar a mão” em qualquer um que tiver a audácia de cometer tamanha afronta.

Contudo, uma coisa que todos nós deveriamos saber é que “texto fora do contexto é pretexto”. E como esta frase é verdadeira, principalmente no contexto bíblico. Nenhum versículo revela tudo por si só. Existe uma conexão de contextos dentro da bíblia que sempre deve ser respeitada e, se violarmos essa regra, estaremos mudando o sentido daquilo que Deus queria nos revelar. Existem vários versículos que são destinados a pessoas específicas ou servem apenas para uma época específica mas muitos não levam isso em consideração, utilizando-os de maneira displicente. Portanto, primeiramente vamos tentar entender o contexto destes versículos que falam sobre os ungidos.

No caso de Salmos, “ungidos” é a forma pelo qual Deus se referencia aos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. O salmista faz esta citação ao lembrar do concerto que Deus fez com o povo de Israel. Em I Samuel 24 a palavra “ungidos” é pronunciada por Davi aos seus homens quando ele surpreendeu Saul dentro de uma caverna, logo após este ter tido um encontro com o exército filisteu. É importante ressaltar que, em ambos os contextos, “não tocar”, “não maltratar” e “não estender a mão contra” não diz nada sobre não criticar ou não questionar mas sim não usar de violência física. Não há qualquer exegética para pegar estas passagens, tirar elas do contexto original e aplicá-las aos líderes das igrejas de hoje, por mais abençoados que eles supostamente sejam, usando-as como base para aceitarmos tudo aquilo que é dito.

Mas, no contexto bíblico,  o que quer dizer a palavra “ungido”? “Ungido” vem do verbo “ungir” que quer dizer “derramar azeite (ou óleo) sobre a cabeça”. Este ato, na cultura judaiaca, era realizado, a mando de Deus, quando alguém era escolhido para executar uma determinada missão ou tarefa. Esta unção era dada a quem fosse ou não servo de Deus, podendo ser retirada a qualquer momento, visto que tinha um fim determinado. Podemos citar como exemplos Saul, que foi ungido rei de Israel mesmo não sendo um servo fiel a Deus, e o rei Ciro (Is 45, 1), um pagão que nunca prestou adoração a Deus mas, para que fosse cumprido o plano de salvação da humanidade, foi ungido para trazer libertação aos israelitas. Existem vários outros exemplos no Antigo Testamento de sacerdotes, profetas e reis que foram ungidos. Em todos esses casos esta unção indicava que o indivíduo seria o mediador entre Deus e as outras pessoas.

Já no Novo Testamento, Jesus é o verdadeiro Ungido do Senhor, pois tanto o título Messias (hebraico) como Cristo (grego) concedidos a Ele querem dizer “Ungido”. Quando Jesus morreu por nós a unção que estava nEle tornou-se universal. Isto significa que todos os que estão em Cristo são ungidos de Deus por Ele. Paulo diz que é Deus quem confirma que estamos em Cristo, que é por Ele que fomos ungidos e também selados pelo Espírito Santo, o penhor da salvação gravado em nossos corações (II Co 1, 21-22). João afirma que nós temos a unção do Santo (Jesus Cristo) e que esta unção que recebemos dEle fica em nós e nos ensina todas as coisas (I Jo 2, 20 e 27). O mesmo João escreve no primeiro capítulo de Apocalipse que o sangue de Cristo nos lavou dos pecados e nos fez reis e sacerdotes para Deus. Pedro não apenas mostra que somos sacerdotes por Cristo como também indica a nossa missão como ungidos: anunciar as virtudes daquele que nos resgatou e nos tirou das trevas (I Pe 2, 9). Como isto é maravilhoso!

Amados, por este motivo temos que ter em mente que não existem classes especiais de pessoas e que ninguém é melhor que ninguém. Cristo é o cabeça e nós somos os membros do corpo. Cada um tem a sua função específica, o que não significa dizer que um é melhor e o outro é pior. Somos membros desse corpo e nada mais além disso. Não existem intocáveis ou infalíveis. Todos nós, quer sejamos apóstolos, pastores, mestres, líderes, etc., estamos sujeitos a falhar e erros e devemos ser repreendidos, principalmente quando ensinamos ou falamos qualquer coisa que não esteja em harmonia com a Palavra de Deus – esta sim infalível. Devemos seguir o exemplo dos moradores de Beréia. Quando estes recebiam um ensinamento examinavam todos os dias na Escritura se o que eles ouviam era realmente a verdade, mesmo se fosse Paulo (o grande apóstolo dos gentios) quem tivesse ensinado a eles (At 17, 11).

Infelizmente creio que boa parte dos chamados cristãos de hoje não acreditam verdadeiramente em Deus, em Cristo ou nas Escrituras Sagradas. A crença deles está firmada sobre o que ouvem dos seus líderes. São poucos aqueles que realmente estudam a bíblia e não se deixam levar por qualquer vento de doutrina (Ef  4, 14). Conselhos como “examinai tudo, retende o bem” aparentemente não tem serventia nenhuma para os nossos dias. Muitos se contentam com leitinho espiritual quando existe um alimento sólido reservado para aqueles que, pelo costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem quanto o mal (Hb 5, 14).

Não fique calado diante de falsas doutrinas e pseudo-evangelhos. Não incentivo a rebeldia ou a desobediência. Ninguém deve entrar em confronto com ninguém por divergência de pensamentos. O ato de pensar é livre para todos. Mas também não devemos fechar a nossa boca diante de ensinamentos anti-bíblicos. Saiba que o amor deve ser a base de toda a nossa repreensão, pois sem ele tudo seria em vão (I Co 13). Por amor a Cristo defenda o verdadeiro evangelho. Por amor às pessoas que ensinam falsas doutrinas exorte e repreenda, na esperança de que os olhos delas sejam abertos. Por amor a Igreja medite na Palavra e a ensine, fazendo com que o povo não caia facilmente nos enganos dos falsos profetas.

Que Deus nos conceda ousadia e sabedoria em todo o tempo.


Cláudio Neto


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